05/05/2016

novo trilho

Mudou um pouco o foco. Escreveu feito um criador de mundos. Ficou quatro dias escrevendo, escrevendo, escrevendo. Havia começado um quadro. Uma pintura a pastel. Desde que começou a escrever nem olhou mais para a pintura. Escreveu à exaustão cinquenta e sete páginas do romance que queria. Enviou as sete primeiras páginas via carta anônima para um endereço desconhecido, retirado do catálogo. “Mas escrever histórias é muito louco”, dizia sorrindo, “Me faz criar um mundo onde mesinto personagem real”. Continuava com entusiasmo: “Olho as páginas escritas, e vi, e senti, e vivi que a trama poderia ser melhor solucionada de outra forma. Depois daquelas 07 páginas que eu enviei para o endereço desconhecido e fico imaginando se quem ler vai querer saber o final da história, achei que eu deveria parar de escrever. Eu queria dormir, mas não dormia. Pensando, pensando, pensando e criando soluções diversas para os problemas que surgiam quando as letrinhas me escapuliam. Agora eu olho com tristeza. Não sei mais o que faço. Escrevi como eu queria, como eu sentia... e me satisfez tanto! E tenho, ou acho que tenho, que mudar tudo, tudo, para ir por um caminho mais ameno que está me exigindo nesse terrível impasse. Não sei se rasgo ou queimo tudo isso aqui. Talvez percorra por um caminho de espinhos, que é fundir o que está escrito, reescrevendo e transmudando alguns personagens, ou os envelhecendo, ou os rejuvenescendo, até ir convergindo lentamente para o novo trilho e seguir em frente sem perda, nem danos. Um final menos trágico? Mas sei que vai ser um trabalho exaustivo. Vai me desgastar em dobro. Que fazer? Se ninguém ler?” Escreveu das 8 h da manhã até 3 h da madrugada do dia seguinte. Acordou cedo. Tomou um cafezinho puro. Debruçou frente ao computador e foi até 5h e 33 minutos quando o novo dia rompia. Não notou. E assim foram vários dias recriando a história matriz contada num auditório, quando o público acreditou piamente que era fato verídico. Levantou. Tomou banho. Foi à casa lotérica. Apostou um jogo. Foi ao mercado. Comprou o que a Glorinha havia anotado que teria de comprar. Passou na quitanda. Comprou frutas e sorvete por causa do calor infernal. Voltou para o teclado. Tentou escrever. Mas o impasse já estava criado “dentro da minha cabeça oca”, dizia, “e eu comecei sofrendo, sofrendo de tal forma que parei. Nem conjecturei como posso agora fazer o desvio da trilha até o caminho antigo. Estou sem saída, juro que estou.”

(05/05/2015)