12/08/2016

conta gotas

um cadinho mais de paciência

para fazer café e pão de queijo

pintar as paredes 


de verde, violeta e azul

plantar num vaso 


pimenta, alecrim e manjericão



e batizá-las 

de sorte, leveza e harmonia



pra estudar, estudar, estudar

trabalhar, trabalhar, trabalhar


dormir


acordar


sorrir


e cumprir os dias


numa caixinha de sapatos


(12/01/12)

05/05/2016

novo trilho

Mudou um pouco o foco. Escreveu feito um criador de mundos. Ficou quatro dias escrevendo, escrevendo, escrevendo. Havia começado um quadro. Uma pintura a pastel. Desde que começou a escrever nem olhou mais para a pintura. Escreveu à exaustão cinquenta e sete páginas do romance que queria. Enviou as sete primeiras páginas via carta anônima para um endereço desconhecido, retirado do catálogo. “Mas escrever histórias é muito louco”, dizia sorrindo, “Me faz criar um mundo onde mesinto personagem real”. Continuava com entusiasmo: “Olho as páginas escritas, e vi, e senti, e vivi que a trama poderia ser melhor solucionada de outra forma. Depois daquelas 07 páginas que eu enviei para o endereço desconhecido e fico imaginando se quem ler vai querer saber o final da história, achei que eu deveria parar de escrever. Eu queria dormir, mas não dormia. Pensando, pensando, pensando e criando soluções diversas para os problemas que surgiam quando as letrinhas me escapuliam. Agora eu olho com tristeza. Não sei mais o que faço. Escrevi como eu queria, como eu sentia... e me satisfez tanto! E tenho, ou acho que tenho, que mudar tudo, tudo, para ir por um caminho mais ameno que está me exigindo nesse terrível impasse. Não sei se rasgo ou queimo tudo isso aqui. Talvez percorra por um caminho de espinhos, que é fundir o que está escrito, reescrevendo e transmudando alguns personagens, ou os envelhecendo, ou os rejuvenescendo, até ir convergindo lentamente para o novo trilho e seguir em frente sem perda, nem danos. Um final menos trágico? Mas sei que vai ser um trabalho exaustivo. Vai me desgastar em dobro. Que fazer? Se ninguém ler?” Escreveu das 8 h da manhã até 3 h da madrugada do dia seguinte. Acordou cedo. Tomou um cafezinho puro. Debruçou frente ao computador e foi até 5h e 33 minutos quando o novo dia rompia. Não notou. E assim foram vários dias recriando a história matriz contada num auditório, quando o público acreditou piamente que era fato verídico. Levantou. Tomou banho. Foi à casa lotérica. Apostou um jogo. Foi ao mercado. Comprou o que a Glorinha havia anotado que teria de comprar. Passou na quitanda. Comprou frutas e sorvete por causa do calor infernal. Voltou para o teclado. Tentou escrever. Mas o impasse já estava criado “dentro da minha cabeça oca”, dizia, “e eu comecei sofrendo, sofrendo de tal forma que parei. Nem conjecturei como posso agora fazer o desvio da trilha até o caminho antigo. Estou sem saída, juro que estou.”

(05/05/2015)

05/02/2016

poço

no fundo do poço

do poço sem fim


vai 


despencando

curiosa sensação 


de nada 

saber

vai 


clareando
certeza do vasto mundo

escrito

vai 

acelerando
a hora

do mergulho
por qual funil?


(E.R.O. 05/02/2012)

09/09/2015

nos ímpares do tempo

Dos tantos casos, imagens. Alastram. Estendem. Nos ímpares do tempo. Eco dos fatos. Do sagrado justo ao espírito dorido o ser-tão carrega. Estação da estrela. Rio velho onde o homem colhe flor. Poço de vidas. Casos. Causos. Caos. Orvalho em plena tarde. Mistério. Encanto. Renasce. Frescor do frio que corta. Sobre a mesa um livro com  pingo d'água. Do teto sem goteira. Do céu sem chuva. Magia que brota da terra.  Mistério. O menino não decifrou de onde surgiu a água.  Abriu  a porta. Morcegos saíram do telhado de palha. Do lado externo do portal duas lesmas em procissão. Sentiu vontade de ouvi-las. O canto das cigarras foi mais alto. No ímpar do tempo. Tempo que passa. 

25/08/2015

porque eu sei os defeitos que cometo


Quando eu morava no lugar de pedrinhas de cristal, conheci um velhinho, bem velhinho, desses ranzinzas (tipo eu). Era um pintor. Pintor à moda antiga. Retratista. Copiador. Tinha uma grande virtude em manipular tintas e pincéis com habilidade e maestria. Seus quadros eram fotografias perfeitas. Faltava-lhe, diziam os acadêmicos, um acurado escudo e compreensão da arte, como a arte já se manifestava então, subjetiva e criadora. Só isso tudo que faltava, porque a sua escola era outra. Valorizava a perfeição final de sua obra, valorizando as cores e os traços principalmente. Era objetivo! E eu me lembro de sua ranzinzice (ou ranzinzisse?) e a implicância que lhe pesava, por sua família em teimar arrumar e limpar o seu ateliê. Era uma guerra que durou até o seu fim, imagino, pois não vi. Vi uma escultura feita por ele em marfim. Uma miniatura de um Cristo Crucificado, onde distingui músculos, veias e chagas... Quanta perfeição, eu vi, naquele minúsculo Cristo pregado ao lenho, caprichosamente feito em madeira, onde estava o pedaço de marfim cravejado. Pois é. A minha ingenuidade era tão grande (como ainda é) que eu disse ao Sr. Rubens: “Que belo, que perfeição, que escultura bem feita!” . Ele fez um beiço enorme. Olhos lacrimejantes, porque seus olhos lacrimavam, mas ele jamais usou óculos, me contaram, nem para as minúcias feitas pelos olhos supostamente cansados. Então, ele fez o beiço enorme, me olhou de carantonha, cerrado e frio: “Jamais, Jamais me sinto perfeito, menina! Ou bem feito o que faço. Porque eu sei os defeitos que cometo. E se um dia eu achar que faço e bem feito e perfeito, finalizo a minha obra. Não preciso procurar mais...”

08/06/2014

som

Vento
          sopra
                          cores

...verde, cinza, azul!

pedras,  frescor,  flor.  Vermelha!... Imensidão brejeira.

lírios, campo. Olhai!

singeleza bela...

30/09/2012

Consagração das tintas

Galeria de artes. Recepção. Um guarda-volumes. Um recepcionista. Porta de entrada. Fechada. No teto interno, câmeras de vigilância. No canto de entrada uma mesa e um computador. Nas paredes, telas. No chão alagado de tinta rala, uma geladeira, uma TV, um fogão e instrumentos de percussão. Sobre a geladeira, uma bailarina. Sobre o fogão, uma atriz. Meio aos instrumentos percussivos, um músico. Todos vestidos de branco. Congelados. Sob luzes. Quentes. Às paredes, cores frias. Os visitantes entram. Descalços. Vestem uma calça. De plástico. Preta. Alone vestido de branco carrega uma tela virgem. Tintas e sprays. Percorre o espaço. Despeja tinta nos instrumentos musicais. O músico começa a tocar. Ritmos indígenas. Dirige-se à bailarina. Tinta sobre seus pés. Ela inicia a dança. Passa pela atriz. Desenha uma letra na sua mão. Entrega-lhe um stencil com formas de letras. Ela declama. Alone percorre o espaço. Compõe a tela. Livremente. O pisar dos visitantes borram de tinta a tela. Alone entrega aos artistas sprays, tintas e pinceis. Preenchem a tela. O foco de luz sobre o músico intensifica. A música agita. Ritmos afro. A movimentação acelera. A bailarina roda. A atriz canta. As pessoas percorrem o chão de cores. Quinze minutos. Numa das paredes letrinhas surgem. Projeção de um texto. Um artista brasileiro. Outro estrangeiro. Pela internet assistem. Escrevem. Em tempo e hora. A consagração das tintas. Na terra do sol. Olhos vivos. Das câmeras. Dos homens. Máquinas. A luz sobre o músico diminui. Canções indígenas. Alone coloca a tela sobre o cavalete. Observa. Calmaria. Por quinze minutos. A luz sobre o músico intensifica. Alone compõe. As projeções continuam. Tudo se repete. Dança. Voz. Chão. Paredes. Cores. Respingos. Tinta. Fresca. O público sai. As portas fecham. Os artistas se vão. Deserto. Três dias. As tintas secam. Tumulto. Portas se abrem. Público. Nova tela. Espaço. Novo. Marginal. _______________________________________________________________________________________________ *Inspirado no projeto cultural "Virtualidade-espaço-marginal" idealizado pelo artista plástico Marco Túlio Valadares (set.2009), naquela época (((alone))). Hoje, SOMBRADOSER.

29/09/2012

Com-tons

Paredes azuis. Teto de madeira. Uma cama. Um armário. Uma mesa de vidro. Um banheiro. A menina acordou. Estava sozinha na casinha de adobe. Tonta de sono bocejou. Dormiu mais. Um barulho insuportável de cigarra a fez levantar. Viu formigas enfileiradas saindo da rachadura da parede. Parecia um cortejo fúnebre. Lembrou que era aniversário do enterro do pai. Toda a cidadezinha presente. O acusado fora condenado. Todas as noites ela buscava os santos de devoção. Rogava perdão para o pai, assassino do pai do seu assassino. Recordou do testamento deixado. Uma lágrima caiu. Como que se despertasse de um sono, atravessou a porta do banheiro. Tomou banho. Escovou os dentes. Vestiu-se de preto. Abriu a porta. O sol despontava. Era sábado. Saiu. A barriga roncou bem na hora em que passou perto da lixeira da praça. Um cheiro forte de bosta penetrou seu nariz. Náuseas. Atravessou a praça. Sentou-se no banco debaixo da sombra da mangueira. Ouviu Luiz Salgado na barraca de pasteis: “corre tamanduá, protege os seus filhotes...você vai ter que ser forte como é forte o carcará”. A música veio como um sopro divino, pensou. Aproximou uma mulher alta, couro sobre os ossos, cabelos brancos, olhos arregalados. Com voz rouca disse: “olhe, estou tentando vender esses quadros para comprar as tintas e terminar essa obra inacabada que há anos tento construir como os expressionistas construíam, com abuso de cores." A menina fechou os olhos. "Veja a foto em que me baseio. Foi tirada no Vale do Jequitinhonha.”, continuou a mulher, que espalhou os quadros sobre o chão. “Gosta de algum?" Com cara de bunda a menina permaneceu calada. "Quer comprar?” A pergunta elevou o seu estômago ao céu. Como um jato de tinta velha seu vômito atingiu o quadro. A mulher cuspiu no chão. Limpou a boca. Da voz rouca um trovão: “você destruiu um dos meus maiores sonhos." A menina pensou: "Tudo tem um ciclo. A sua construção não passou de uma ilusão. Uma espera que passou”.

30/01/2010

Tia Lena...

...do bar ao lado da Trupe do Butiquim. Personagem vivo de Palmas! Peça rara a revelar a força de uma mulher que aparentemente frágil, luta pelo pão de cada dia, com a serenidade e paciência dos sábios e a singeleza rara de bons anfitriões que sabem que o que se faz hoje, colhe amanhã. E os burburinhos e ruídos da terrinha do sol, tem sido outros aos meus olhos e ouvidos. Fase boa de garimpo! A começar a avistar o brilho dos cristais...a enxergar com outros olhos. Os outros olhos.

29/01/2010

Trecho II

"Durante os ensaios sempre estive descalça. O figurino eu vestiria apenas na estréia. Nos cinco dias antes da peça, experimentei a roupa, os sapatos, mas não caminhei. Texto aqui, lá, acolá.Era a única preocupação." E.R.O (mar/05)