25/08/2015

porque eu sei os defeitos que cometo


Quando eu morava no lugar de pedrinhas de cristal, conheci um velhinho, bem velhinho, desses ranzinzas (tipo eu). Era um pintor. Pintor à moda antiga. Retratista. Copiador. Tinha uma grande virtude em manipular tintas e pincéis com habilidade e maestria. Seus quadros eram fotografias perfeitas. Faltava-lhe, diziam os acadêmicos, um acurado escudo e compreensão da arte, como a arte já se manifestava então, subjetiva e criadora. Só isso tudo que faltava, porque a sua escola era outra. Valorizava a perfeição final de sua obra, valorizando as cores e os traços principalmente. Era objetivo! E eu me lembro de sua ranzinzice (ou ranzinzisse?) e a implicância que lhe pesava, por sua família em teimar arrumar e limpar o seu ateliê. Era uma guerra que durou até o seu fim, imagino, pois não vi. Vi uma escultura feita por ele em marfim. Uma miniatura de um Cristo Crucificado, onde distingui músculos, veias e chagas... Quanta perfeição, eu vi, naquele minúsculo Cristo pregado ao lenho, caprichosamente feito em madeira, onde estava o pedaço de marfim cravejado. Pois é. A minha ingenuidade era tão grande (como ainda é) que eu disse ao Sr. Rubens: “Que belo, que perfeição, que escultura bem feita!” . Ele fez um beiço enorme. Olhos lacrimejantes, porque seus olhos lacrimavam, mas ele jamais usou óculos, me contaram, nem para as minúcias feitas pelos olhos supostamente cansados. Então, ele fez o beiço enorme, me olhou de carantonha, cerrado e frio: “Jamais, Jamais me sinto perfeito, menina! Ou bem feito o que faço. Porque eu sei os defeitos que cometo. E se um dia eu achar que faço e bem feito e perfeito, finalizo a minha obra. Não preciso procurar mais...”